O neuropsicólogo Aarón F. del Olmo explica o transtorno da aprendizagem não verbal (TANV), suas principais características e seu problema de diagnóstico.
Mesmo partindo da ideia de que, quando executamos uma tarefa, todo o cérebro participa dela, é tentador tentar segmentar a cognição para estudá-la. Talvez mais do que tentador, isso nos proporcione uma falsa sensação de segurança, como ocorre ao abordarmos as funções executivas (García-Molina, 2018; Tirapu-Ustárroz, Molina, Lago, & Ardila, 2012). Mas, como já se sabe, nessa execução muitas dessas funções atuam em conjunto de forma bastante bem sincronizada. E essa sincronização, e a forma como vamos automatizando nosso funcionamento, vai sendo alcançada durante o neurodesenvolvimento.
Nesse neurodesenvolvimento existem transtornos ou dificuldades bastante conhecidos por todos que trabalhamos na área de neuropsicologia infantil, em que se destaca sem dúvida o TDAH, transtorno que ainda gera um acalorado debate sobre sua existência e/ou prevalência real. Mas, de modo geral, e com licença do TEA (outros dos transtornos mais conhecidos), é bastante frequente encontrar diagnósticos que se referem a problemas no desenvolvimento do hemisfério esquerdo, como TEL, dislexia ou disgrafia.
No entanto, quando damos um salto para o outro hemisfério, o direito, fica mais complicado encontrar informações sobre transtornos cuja base seja um funcionamento não tão correto do mesmo.
No entanto, Johnson e Myklebust (1967) já haviam descrito há quase 50 anos um perfil cognitivo em crianças que, longe de apresentarem dificuldades naquelas aprendizagens típicas ou relacionadas à linguagem, apresentavam outro tipo de problemas que, no final das contas, se mostram mais difíceis de objetivar, no que denominaram transtorno de aprendizagem não verbal (TANV).
O objetivo deste post será descrevê-lo, diante do grande desconhecimento que temos a respeito, e tentar refletir sobre o motivo disso. Um motivo que realmente parece estar por trás do problema de diagnóstico que existe de forma geral nos transtornos do neurodesenvolvimento e o motivo, precisamente, de que não esteja reconhecido como tal no manual diagnóstico usualmente empregado, o DSM-5.
Como mencionado, Johnson e Myklebust (1967) identificaram uma amostra de crianças que apresentavam problemas de índole visoespacial, de coordenação motora e de compreensão do contexto social, muito relacionados com a dificuldade de interpretar os gestos associados à linguagem não verbal, que eles vincularam ao funcionamento do hemisfério direito.
Está claro que essas dificuldades, que afetam mais os aspectos manipulativos e perceptivos, resultam em uma diminuição em disciplinas que não são tão “relevantes” no currículo escolar (educação física, música ou artes visuais), o que nos mostra, de fato, uma assimetria também no nível acadêmico, onde essas habilidades do hemisfério direito têm menos peso do que as do esquerdo (García-Nonell, Rigau-Ratera, & Pallarés, 2006).
Características do transtorno de aprendizagem não verbal
Harnadek e Rourke (1994) descreveram este quadro com as seguintes características:
- Déficits bilaterais na percepção tátil, um pouco mais acentuados no hemicorpo esquerdo,
- déficits bilaterais na coordenação psicomotora, embora também um pouco mais acentuados no hemicorpo esquerdo,
- dificuldades na organização visoespacial,
- dificuldades para trabalhar com informações novas e adaptar-se a situações complexas e inéditas,
- déficits na resolução de tarefas não verbais, formação de conceitos e criação de hipóteses,
- dificuldades na percepção do sentido do tempo,
- bom desenvolvimento das habilidades verbais automatizadas,
- verborreia caracterizada por ser mecânica, repetitiva, dentro dos transtornos da pragmática da linguagem,
- déficits na mecânica aritmética,
- déficits significativos na percepção, no julgamento e na interação social.
De certo modo, pode-se dizer que essas crianças apresentam uma capacidade verbal muitas vezes superior ao que se espera para sua idade, como sinal de que o hemisfério esquerdo está compensando um pouco essas dificuldades no nível direito. Exatamente o oposto do que ocorre em crianças com alterações na linguagem, que compensam sua compreensão do ambiente de forma visual.
Esferas nucleares dentro do TANV
Vamos, neste ponto, focar nas três esferas consideradas mais “nucleares” dentro deste transtorno:
A coordenação motora
Uma das alterações mais facilmente observáveis está relacionada à aquisição de rotinas motoras. Nesse sentido, haveria um grande solapamento com o diagnóstico de transtorno do desenvolvimento da coordenação motora, que está presente no manual DSM-IV.
Partindo dessa ideia, as crianças com transtornos de aprendizagem não verbal podem apresentar dificuldades na coordenação motora, dispraxia e, em geral, serem apontadas em seu meio como crianças “desajeitadas”, evitando jogos que envolvam habilidades motoras.
Esse padrão é tão relevante que até outros autores (Crespo-Eguílaz & García, 2009) o consideram um eixo central de uma das redefinições do TANV que propõem, o transtorno da aprendizagem procedimental (TAP).
Nesse sentido, buscando certa analogia, enquanto no TEL a automatização da linguagem é dificultada, ou em outras definições, a do aprendizado da leitura ou da escrita, no TANV o alcance dos “marcos” motores seria sensivelmente mais lento e, além disso, o aprendizado de padrões motores exigiria muito mais tempo e dificuldade para os afetados.
Como testes habitualmente usados para observar essa coordenação motora, teríamos a bateria específica MACB-2, ou diferentes subtestes da Nepsy-II ou Cumanin, embora não seja má ideia lembrar que é preciso observar outros aspectos e não apenas a pontuação obtida nesses testes.
Percepção visuo-espacial
Por outro lado, a níveis visuo-espacial, as crianças que apresentam TANV podem ter dificuldades na integração perceptiva, concretamente ao dar forma visual a estímulos incompletos, assim como dificuldades para perceber corretamente a orientação de elementos, proporções e distâncias.
Essas alterações são bastante difíceis de captar a princípio, principalmente pela subjetividade da experiência perceptiva, mas dão lugar a uma dificuldade importante para a interpretação do material visual, o que secundariamente afeta a memorização desse tipo de material.
Não por acaso, quando falamos do hemisfério direito, que é predominantemente visual, ele também desempenha um papel importante na interpretação global do ambiente. Isso, evidentemente, tem seu impacto na compreensão não apenas de aspectos visuais, mas também na integração da comunicação não verbal, algo que veremos no próximo ponto.
A linguagem não verbal
Outro dos grandes problemas associados ao TANV é a dificuldade para a interpretação da linguagem não verbal, que tem grande peso na comunicação, muitas vezes invertendo o que a própria mensagem verbal quer dizer. Aspectos como a prosódia e os significados não literais escapam às crianças com essas dificuldades, além de resultar difícil interpretar e expressar essa linguagem não verbal, o que afeta diretamente sua interação social com seus pares.
Este último ponto é o que leva também outros autores (Crespo-Eguílaz & García, 2009) a proporem essa etiqueta de TAP e gerarem critérios mais organizados para definir esse transtorno. Simplesmente considerar como transtorno da linguagem não verbal uma síndrome que inclui os aspectos prosódicos mencionados soa um tanto incoerente.
O impacto emocional
É importante destacar que todas essas alterações têm um impacto emocional significativo na criança. Principalmente pelas etiquetas de “desajeitado” ou “esquisito” que surgem em razão do impacto de suas dificuldades na esfera social.
O fato da falta de detecção ou do conhecimento adequado desse transtorno acaba gerando uma imagem de intencionalidade no comportamento da criança (preguiçosa ou relaxada por reprovar disciplinas que considera “fáceis”), sendo a criança muito consciente de suas limitações e esbarrando continuamente nelas ao não receber adaptações adequadas. Esse ponto contrasta enormemente com outros transtornos que apresentam sintomatologia mais evidente, já que a criança com TANV faz atribuições mais internas ao seu desempenho).
Uma breve reflexão final
Ao desconhecimento sobre o transtorno de aprendizagem não verbal podemos realmente acrescentar o desconhecimento sobre como abordar os transtornos do neurodesenvolvimento. Não por acaso, parece que o trabalho realizado nessa área é voltado a encaixar a criança em uma das etiquetas preexistentes e a detectar comportamentos sem questionar o motivo.
Especificamente, muitas crianças com transtorno de aprendizagem não verbal têm dificuldades atencionais, mas derivadas da dificuldade de processar corretamente os aspectos visuais ou, pelo menos, automatizar seu processamento, sem apresentar um problema atencional per se. E isso nos leva de volta ao princípio deste post. O comportamento observável é resultado da interação de muitos processos que se sincronizaram durante o neurodesenvolvimento. Além disso, é difícil não ficar com a sensação de estar na superfície do problema se não se atenta a como esse processo ocorreu, à história da própria criança e, enfim, ao que causa essa forma de executar as tarefas.
Talvez justamente por isso fique mais difícil descrever o TANV e vê-lo dentro de manuais diagnósticos que buscam criar etiquetas o mais “herméticas” possível. E também, por que não dizer, voltadas a “diagnósticos” rápidos.
Portanto, é importante dizer que, embora exista uma série de sinais dentro do que seria o TANV, teríamos um perfil diferente para cada criança, tanto nos sinais existentes, na forma como se manifestam (que também varia com a idade) e no impacto que têm para cada criança e sua família no dia a dia. E, sem dúvida, essa análise leva a entender melhor como oferecer os apoios necessários para uma melhor adaptação ao mundo que as cerca, que no final costuma ser o objetivo que perseguimos: ajudar.
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Bibliografia
- Crespo-Eguílaz, N., & García, J. N. (2009). Transtorno de aprendizagem procedimental: características neuropsicológicas. Revista de neurologia, 49(8), 409-416.
- García-Molina, A. (2018). Avaliação das funções executivas.
- García-Nonell, C., Rigau-Ratera, E., & Pallarés, J. A. (2006). Perfil neurocognitivo do transtorno de aprendizagem não verbal. Revista de neurologia, 43(5), 268-274.
- Harnadek, M. C., & Rourke, B. P. (1994). Principal identifying features of the syndrome of nonverbal learning disabilities in children. Journal of Learning Disabilities, 27(3), 144-154. https://doi.org/10.1177/002221949402700303
- Johnson, D. J., & Myklebust, H. R. (1967). Learning Disabilities; Educational Principles and Practices.
- Tirapu-Ustárroz, J., Molina, A. G., Lago, M. R., & Ardila, A. A. (2012). Neuropsicologia do córtex pré-frontal e as funções executivas. Recuperado de https://dialnet.unirioja.es/servlet/libro?codigo=557535









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