O neuropsicólogo Eriz Badiola explica neste artigo o que é a anosognosia, a que ela pode estar associada e quais implicações tem no dia a dia.
A anosognosia costuma ser um aspecto que fica em segundo plano quando se fala de neuropsicologia. Portanto, com este artigo pretende-se explicar o que é, a que pode estar associada e quais implicações tem no dia a dia e na clínica.
O que é a anosognosia?
A anosognosia, neologismo proveniente das palavras gregas a (sem), nosos (doença) e gnosis (conhecimento), literalmente seria algo como “falta de conhecimento da doença”. Ou seja, a perspectiva sobre determinadas limitações (cognitivas, comportamentais, emocionais ou funcionais) da pessoa afetada difere da de outras pessoas ou dos resultados de testes objetivos.
Isso pode ocorrer como consequência de lesões cerebrais decorrentes de lesão cerebral adquirida ou doenças neurodegenerativas (Mograbi e Morris, 2018).
Essa dificuldade em perceber limitações pode abranger vários aspectos: desde acreditar que consegue ver quando sofre de cegueira cortical por danos no lobo occipital (síndrome de Antón-Babinski), até ignorar que esquece a lista de compras, passando por realizar comportamentos que antes não fazia e, mais uma vez, não ter consciência disso.
Da mesma forma, vale indicar que a anosognosia pode ser parcial, sendo possível que o paciente esteja ciente de alguma alteração específica, mas ignore as demais, ou até minimize a relevância do problema.
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História sobre a anosognosia
O descobrimento dessa condição peculiar nos remonta a 1914, quando o neurologista franco-polonês Joseph Babinski (vocês também podem conhecê-lo pelo sinal de Babinski, o reflexo plantar) trabalhava com pacientes que haviam sofrido um AVC no hemisfério direito e, como consequência, padeciam de uma hemiplegia esquerda. Na tradução do texto original para o inglês de Langer e Levine (2014) comenta-se que quando a uma das pacientes pedia-se para levantar os dois braços, ela levantava o braço direito sem problema e, ao ter que levantar o esquerdo ou não respondia ou dizia que o havia levantado. Evidentemente, não podia levantá-lo, mas ela acreditava que o havia feito.
Anosodiaforia
No artigo de 1914, nosso querido Joseph cunhou o neologismo anosognosia, aliás, acrescentou mais uma palavra a esse contexto: anosodiaforia (indiferença). Esse termo foi usado para se referir à condição daqueles pacientes em que a hemiplegia estava presente, mas em que a importância da paralisia passava para segundo plano. Em outras palavras: estando cientes da hemiplegia, não davam a mínima, não relatavam nenhum desconforto a respeito (Langer e Levine, 2014).
Ficaram muitos aspectos em aberto e, a partir disso, surgiu um debate que se prolongou ao longo do século passado: a anosognosia realmente existe ou o paciente finge? Ele a nega?
O debate entre anosognosia e negação do déficit
Nosso protagonista acreditava na existência da anosognosia, embora não soubesse como comprová-la. Para ele, não fazia muito sentido que um paciente fingisse durante meses e meses que seu braço funcionava perfeitamente.
Por outro lado, alguns autores sugerem que a negação do déficit é explicável pelo paradigma psicodinâmico, relacionando a falta de consciência com resistências ou mecanismos de defesa (Ramachandran, 1995; Sims, 2014). No entanto, as perspectivas neurocientíficas atuais colocam em pauta o fato de que o uso de mecanismos de defesa deve ser contextualizado em pacientes cuja anosognosia não depende de alterações neurocognitivas (Mograbi e Morris, 2018).
Atualmente, sabemos que a anosognosia é uma realidade em grande parte neuropsicológica e que determinadas lesões cerebrais podem levar a essa condição. Além disso, existem correlatos neuroanatômicos que nos aproximam de sua compreensão.
Bases neuroanatômicas da anosognosia e prevalência
Babinski mencionava que a anosognosia poderia dever-se a lesões no hemisfério direito e que as alterações sensoriais poderiam influenciar sua existência (de fato, os pacientes não reagiam a estímulos externos nessas extremidades).
Hoje em dia seria um erro determinar que uma lesão específica em um local exato pode, necessariamente, ocasionar alterações neuropsicológicas concretas. No entanto, podemos afirmar que lesões em determinadas estruturas podem favorecer o surgimento dessas alterações, ou que lesões em várias regiões estejam potencialmente associadas a elas.
Como mencionei anteriormente, a etiologia da anosognosia é variada, existindo uma incidência de 10 a 18% em pacientes que sofreram acidentes cerebrovasculares e apresentam hemiparesia, enquanto se considera que até 81% das pessoas diagnosticadas com Alzheimer sofrem algum tipo de anosognosia e que 60% daquelas com comprometimento cognitivo leve também a experimentam (Acharya e Sánchez-Manso, 2018).
No caso de a anosognosia para hemiplegia, apesar de ser mais frequente em lesões unilaterais direitas ou bilaterais, a frequência de aparecimento da anosognosia é semelhante em pessoas com lesões (subcorticais e/ou corticais) temporais, parietais ou frontais. Contudo, a probabilidade de existência de anosognosia é maior naquelas pessoas que sofrem lesões tanto a nível frontal quanto parietal, em comparação com lesões em outras regiões cerebrais (Pia, Neppi-Modona, Ricci e Berti, 2004).

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Anosognosia no comprometimento cognitivo leve
Em uma revisão sistemática recente (Mondragón, Maurits e De Deyn, 2019) comenta-se que, em pacientes com comprometimento cognitivo leve, é comum a associação entre anosognosia e redução de perfusão, além da atividade no lobo frontal e em estruturas da linha média.
Anosognosia na doença de Alzheimer
Da mesma forma, no que diz respeito à anosognosia na doença de Alzheimer, nos estudos revisados observa-se menor perfusão, ativação e metabolismo em áreas da linha média cortical, detectando-se o mesmo fenômeno em estruturas parietotemporais, em estágios mais avançados da doença.
Implicações na avaliação e reabilitação neuropsicológica
Primeiro, na avaliação neuropsicológica é possível que, devido à anosognosia, o paciente questione o procedimento. “Para que você me faz tantas perguntas?”, dizia-me uma paciente que veio ser avaliada para iniciar reabilitação neuropsicológica após um AVC. A não colaboração durante a avaliação poderia prejudicá-la e confrontar nem sempre seria uma solução (apesar de parecer evidente, mais adiante explicarei o porquê). Por isso, e considerando que o surgimento da anosognosia é muito diverso, na realização da avaliação neuropsicológica devem-se adaptar os testes à situação individual e única de cada paciente. Assim, caberá ao profissional decidir como abordar a situação com as habilidades que for adquirindo em sua experiência.
Outra situação que pode ocorrer durante as sessões de reabilitação é que o paciente com problemas de memória (por exemplo, pessoas com Alzheimer) ignore a existência de déficits mnésticos, podendo haver maior probabilidade de anosognosia quanto mais avançada estiver a doença (Hanseeuw et al., 2019). O que acontece com a anosognosia associada aos problemas de memória e às pessoas que a sofrem (especialmente de memória episódica) é que por mais que se confronte o paciente sobre a existência dessas dificuldades, não é produtivo, pois eles se sentirão piores e, provavelmente, na próxima sessão não lembrarão do ocorrido. Nesse sentido, recomendo assistir a “Quando e como abordar a anosognosia?”, um vídeo que diferencia a abordagem para pessoas com Alzheimer e para aquelas que sofreram DCA (Ruiz-Sánchez de León, 2020).
Por tudo isso, não devemos esquecer de informar e educar os familiares e cuidadores, para que levem em conta a anosognosia, pois ela pode ser fonte de conflitos em que tanto o paciente quanto o familiar podem se sentir mal. Nesse contexto, dois pilares importantes para abordar essa situação são: compreensão e empatia. Tanto por parte dos familiares quanto do neuropsicólogo clínico.
Em resumo, a anosognosia é uma fiel companheira do dano cerebral adquirido e das doenças neurodegenerativas, que devemos levar em conta tanto na avaliação quanto na reabilitação neuropsicológica. A abordagem deve ser adaptada ao paciente e pensada a partir de uma perspectiva multidisciplinar. Além disso, é necessário incluir os próprios familiares e torná-los participantes na jornada rumo à melhoria da qualidade de vida das pessoas que queremos ajudar.
Bibliografia
- Acharya, A. B., y Sánchez-Manso, J. C. (2018). Anosognosia. StatPearls Publishing: Treasure Island (Florida).
- Hanseeuw, B. J., Scott, M. R., Sikkes, S. A., Properzi, M., Gatchel, J. R., Salmon, E., … y Alzheimer’s Disease Neuroimaging Initiative. (2020). Evolution of anosognosia in alzheimer’s disease and its relationship to amyloid. Annals of neurology, 87(2), 267-280.
- Langer, K. G., y Levine, D. N. (2014). Babinski, J. (1914). Contribution to the study of the mental disorders in hemiplegia of organic cerebral origin (anosognosia). Traducido por K.G. Langer & D.N. Levine. Traducido del original Contribution à l’Étude des Troubles Mentaux dans l’Hémiplégie Organique Cérébrale (Anosognosie). Cortex; a journal devoted to the study of the nervous system and behavior, 61, 5–8.
- Mondragón, J. D., Maurits, N. M., y De Deyn, P. P. (2019). Functional neural correlates of anosognosia in mild cognitive impairment and alzheimer’s disease: a systematic review. Neuropsychology review, 29(2), 139-165.
- Mograbi, D. C., y Morris, R. G. (2018). Anosognosia. Cortex; a journal devoted to the study of the nervous system and behavior, 103, 385-386.
- Pia, L., Neppi-Modona, M., Ricci, R., & Berti, A. (2004). The anatomy of anosognosia for hemiplegia: a meta-analysis. Cortex, 40(2), 367-377.
- Ruiz-Sánchez de León, J.M. [LOGICORTEX Neuropsicología]. (2020, 2 de septiembre). ¿Cuándo y cómo abordar la anosognosia? [Archivo de vídeo]. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=uJi7_v_CluM
- Ramachandran, V. S. (1995). Anosognosia in parietal lobe syndrome. Consciousness and cognition, 4(1), 22-51.
- Sims, A. (2014). Anosognosia and the very idea of psychodynamic neuroscience (No. Ph. D.). Deakin University.
Mais bibliografia recomendada
- Orfei, M. D., Caltagirone, C., y Spalletta, G. (2009). The evaluation of anosognosia in stroke patients. Cerebrovascular diseases, 27(3), 280-289.
- Starkstein, S. E. (2014). Anosognosia in Alzheimer’s disease: diagnosis, frequency, mechanism and clinical correlates. Cortex, 61, 64-73.








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