O síndrome de Tourette pode parecer algo muito estranho para quem não o conhece ou não o entende. Em razão do Dia de Conscientização sobre a Síndrome de Tourette, celebrado em 7 de junho, trazemos aqui algumas dicas sobre como lidar com as pessoas que o têm.
Essas dicas foram confirmadas pelos depoimentos dos próprios protagonistas: membros da Associação Madrilenha de Síndrome de Tourette e Transtornos Associados (AMPASTTA). Muito obrigado a todos!
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O que é a síndrome de Tourette?
A síndrome de Tourette é o transtorno relacionado a tiques mais conhecido e relevante. Os tiques podem ser movimentos (tiques motores) ou palavras ou sons (tiques fônicos). Eles são involuntários e repentinos, e não têm um propósito específico, ao contrário dos movimentos voluntários ou da emissão voluntária de palavras ou sons, que possuem um objetivo.
Embora se estime que 90% das pessoas com síndrome de Tourette, além dos tiques, apresentem outros sintomas e/ou transtornos associados (como transtorno do déficit de atenção com hiperatividade – TDAH –, transtorno obsessivo-compulsivo – TOC – e/ou transtorno do espectro autista – TEA –) e que apenas 10% das pessoas com Tourette tenham como único sintoma os tiques, neste artigo nos concentraremos nos tiques por serem o sintoma principal utilizado para o diagnóstico e também o mais visível.
12 dicas para ajudar uma pessoa afetada pela síndrome de Tourette
O síndrome de Tourette pode ser um tema difícil para quem o tem e para aqueles com quem convive; no entanto, como em qualquer outro transtorno, não convém ignorá-lo, mas conhecê-lo e tratá-lo com naturalidade.
Se você algum dia cruzar com alguém com este transtorno, mas especialmente se tiver um amigo com Tourette (ou um familiar, colega de trabalho, ou até mesmo um conhecido), é importante saber o que os faz sentir-se confortáveis e o que não. Por isso, apresentamos 12 maneiras de apoiar uma pessoa com síndrome de Tourette.
1. Não fique olhando quando a pessoa tiver um tique
Pode parecer óbvio, mas há tiques que podem ser muito chamativos pela intensidade (gritar, pular, produzir sons com a boca, mover os membros, etc.). Por mais chamativo ou exagerado que seja, é recomendável tratá-lo com naturalidade e agir como se você não notasse. Mesmo sentindo curiosidade, ficar olhando é muito indelicado.
2. Ao conversar com a pessoa, finja que os tiques decorrentes do Tourette não estão ali
Ignorar os tiques, fingir que eles não incomodam você, ou simplesmente não reagir a eles é o melhor que se pode fazer. Se a pessoa perceber que os outros notam seus tiques, ficará mais estressada, o que provocará um aumento dos tiques, o que a incomodará por não conseguir controlá-los e isso a deixará ainda mais estressada, aumentando os tiques num ciclo vicioso.
Os tiques podem ser sempre uma distração, mas a pessoa, assim como todo mundo, quer ter conversas normais. Se estas forem interrompidas ou terminarem no momento em que os tiques começam, isso pode lhe causar aborrecimento, mesmo que ela tente disfarçar; especialmente se acontecer com frequência.
Sempre ajuda colocar-se no lugar do outro e, nesse caso, pode ser útil pensar em como seria difícil para você ter seu próprio corpo interrompendo todas ou quase todas as suas conversas.
3. Seja paciente
Se a pessoa tiver algum tipo de tique que interrompa seu discurso, procure ser paciente e deixe-a se expressar. A todos nos incomoda não poder terminar uma frase, mas especialmente para quem às vezes tem dificuldade.
4. Pergunte sobre os tiques, mas aborde o tema conforme a aceitação que a pessoa tem deles
Somos todos diferentes e algumas pessoas se sentem à vontade para falar de suas dificuldades, outras não. É recomendável que, antes de perguntar sobre os tiques, você as escute e observe para saber até que ponto se sentem confortáveis com isso e se lidam de forma natural ou não.
Depois, você pode perguntar se ela se sente à vontade para falar sobre o assunto, e se estiver, faça mais perguntas. Isso fará com que se sinta confortável com você. Mas certifique-se de fazer perguntas inteligentes, e não algo como “Você não consegue parar?”, porque ela não consegue; simplesmente não tem controle total sobre o corpo.
Considere também quando e quanto é apropriado falar sobre o assunto. É válido fazer perguntas, mas sem transformar isso em um tema único ou recorrente demais. Se a pessoa sentir que pode confiar em você e falar abertamente, ela ficará mais relaxada, e isso pode até diminuir seus tiques.
5. Não tente mudar uma pessoa com Tourette
Algo que faz todos nós nos sentirmos amados é a aceitação; especialmente se há algo em nós difícil ou talvez impossível de mudar, queremos ser amados como somos.
Não é diferente para quem tem Tourette; muito pelo contrário, isso é especialmente importante no caso dessa pessoa, pois ela não controla seus tiques e frequentemente se sente mal por isso. Em geral, costuma viver experiências desagradáveis no dia a dia, já que nem todos conhecem a síndrome de Tourette e muitas pessoas podem interpretar o tique fônico ou motor como má educação ou mesmo como uma tentativa intencional de incomodar.
A melhor forma de cuidar alguém com Tourette é amar essa pessoa como ela é. Se você tentar ajudar oferecendo um remédio que encontrou ou sugerindo algum tratamento que leu sobre, é possível que ela sinta que você está confirmando o que ela já pensa, ou seja, que há algo inaceitável nela que você gostaria de mudar.
A situação é diferente se for a própria pessoa quem pede ajuda, mas é melhor não oferecê-la até que ela solicite, pois você pode fazê-la sentir que não a aprecia como é, deixando-a, de certa forma, magoada e afastada. No fim, todos buscamos em amigos e entes queridos o desejo de sermos amados exatamente como somos.
6. Não aponte os novos tiques
Há pessoas que agradecem quando entes queridos perguntam se um tique é novo ou se já existia antes, mas, como sempre, somos todos diferentes, e algumas podem se incomodar, especialmente se não tiverem confiança suficiente em quem faz a pergunta.
É bem provável que a própria pessoa tenha sido a primeira a notar o novo tique e que não esteja exatamente feliz com ele. Apontar um novo tique pode soar como: “Olha, você está fazendo algo estranho agora!”. Em vez de agradecer, ela pode se chatear. Novamente, trata-se de dar naturalidade a quaisquer que sejam os sintomas para fazê-la sentir-se confortável.
7. Perceba o aumento de tiques e ofereça ajuda sutil
Se você perceber que a pessoa está tendo uma espécie de ataque de tiques, pode ser que ela esteja mais nervosa ou ansiosa do que de costume.
Isso pode acontecer porque ela esteja passando por um período de estresse extra (por exemplo, provas ou uma semana de muito trabalho), ou porque vocês estejam em um lugar novo, em público, ou em situações em que ela se sinta observada e julgada por estranhos, ou simplesmente superestimulada.
Nesse contexto, você pode oferecer sutilmente uma saída para essa situação estressante; a sutileza é importante, pois, caso contrário, sua ajuda pode ser contraproducente, fazendo com que ela fique ainda mais excitada e tenha mais tiques.
Formas de ajudar uma pessoa com Tourette quando seus tiques aumentam
Procure fazer com que ela fale, mas sem que seja óbvio que você notou um aumento nos tiques. Você pode perguntar como a qualquer outra pessoa que pareça angustiada, sem chamar explicitamente a atenção para o Tourette: “Ei, você parece um pouco estressado, está preocupado com algo?”.
Sugira sair do local (por exemplo, de um restaurante ou de uma festa), dizendo: “Estou afim de tomar um ar, você vem?” ou perguntando se ela te acompanha numa tarefa, como comprar mais bebidas. A maioria das pessoas com síndrome de Tourette relatam que o ar fresco ou o espaço as ajuda a “resetar” o cérebro.
Provocar uma leve mudança na atenção (perguntar as horas, pedir para pegar algo ou pedir que troque de lugar por algum motivo) é especialmente útil em situações em que não é possível mudar de ambiente (por exemplo, no elevador ou no metrô). Provavelmente ela perceberá o motivo, e mesmo sem dizer, vai agradecer a delicadeza com que você está ajudando.
8. O contato físico pode ser reconfortante para uma pessoa com Tourette
Um abraço reconforta e acalma por desativar o sistema nervoso simpático, reduzindo a ansiedade. Não é necessário abraçar se a situação não for apropriada, pois pode parecer injustificado ou até violento se for considerado fora de contexto, mas um contato físico mais leve também reduz o estresse.
Sempre considerando a situação e as preferências pessoais, talvez você possa demonstrar apoio apertando suavemente o antebraço ou dando leves tapinhas no ombro.
Um gesto físico de conforto é excelente, não apenas porque pode ajudar a reduzir o nervosismo por si só, mas também porque é uma forma de dizer que você está ali por ela sem chamar a atenção dos demais presentes. Significa que você a apoia e sabe que ela está passando por um momento difícil.
9. Não brinque sobre o Tourette
Este é um tema delicado. Embora muitas vezes o humor ajude a desarmar um assunto complicado, determinar se é adequado ou não fazer piadas sobre o Tourette com quem o tem dependerá completamente dessa pessoa.
Em geral, isso costuma funcionar melhor com adultos do que com crianças, pois estas são mais vulneráveis e podem se sentir magoadas mesmo que seja a própria mãe fazendo piadas que, à princípio, são inocentes e bem-intencionadas. No entanto, depende de cada pessoa.
Também pode depender do momento, como acontece com todos nós. Haverá dias em que a pessoa prefira que não se brinque sobre seus sintomas de forma alguma, e ocasiões em que prefira ser ela mesma a fazer as piadas (assim como é saudável rir de si mesmo de vez em quando) e que você seja quem ri. Como é lógico, é mais provável que uma piada tenha efeito negativo quanto menor for a confiança com quem a faz.
10. Não diga que ele está sendo grosseiro, nem que está fazendo um espetáculo
Especialmente se a pessoa com Tourette for uma criança, isso com certeza a afetará. Adultos tendem a reagir irritando-se ou contrariando-se, mesmo que não demonstrem. Crianças, por serem mais vulneráveis, podem até achar que são “maus”.
Muitas crianças com Tourette (se não a maioria) passam por experiências muito desagradáveis na escola, não apenas com outros alunos, mas especialmente com professores, que, ao desconhecerem completamente o transtorno, atribuem o comportamento das crianças com Tourette a má educação ou a uma personalidade problemática, pois interpretam seus tiques e demais sintomas como conductas intencionais.
Nunca diga a uma criança com Tourette que ela está causando problemas ao brincar, que é desobediente, travessa, bagunceira, ou que está fazendo um espetáculo, e acredite quando ela disser que não faz por querer.
11. Defenda essa pessoa
Haverá quem intimide, zombe ou insulte essa pessoa, ou mesmo quem chame a atenção ou queira expulsá-la de um estabelecimento por considerá-la barulhenta ou incômoda. Apoie-a e faça com que ela sinta que você se importa. Cada uma dessas situações nos deixaria muito mal, defenda-a daqueles que não conseguem evitar isso.
Mesmo que você não consiga vencer a batalha naquele momento, terá mostrado que está ali para ajudar quando necessário.
12. E tenha em mente…
Que todos os dias ela enfrenta várias batalhas: com seus tiques (que também a distraem e interrompem em suas atividades), com a aceitação da sociedade (ela gostaria de andar na rua sem receber olhares estranhos ou comentários desagradáveis e até cruéis), com a aceitação de familiares e amigos (é uma grande verdade que, se você tem apoio suficiente em casa, sente-se preparado para enfrentar o mundo) e com a autoaceitação (para a qual o mais importante é o apoio, o respeito e o carinho de familiares e amigos, pois sem isso fica difícil sentir que se é merecedor do amor dos entes queridos).
Depoimentos de membros da Associação Madrilenha de Síndrome de Tourette e Transtornos Associados (AMPASTTA)
A seguir, trazemos uma série de trechos de depoimentos de membros da AMPASTTA. Em suas próprias palavras…
Juan José Gómez (43 anos):
“Meus amigos me respeitam e me ajudam bastante. Tratam as situações com naturalidade.
A família está sempre presente e se preocupa, está atenta… Mas a pessoa afetada pela ST pode perceber que está envolvendo muitas terceiras pessoas com seu problema e pode ficar sobrecarregada, agravando os tiques.
Eu penso que é preciso aceitar o que você tem e tentar levar o melhor possível, porque mesmo que as pessoas estejam conscientizadas, continuarão olhando, e isso precisa ser assumido. Precisamos de carinho e ajuda. Quando a pessoa com ST solicitar, é preciso conversar com ela e entendê-la nas situações em que estiver alterada ou nervosa.
Gostaria que nosso transtorno neurológico fosse mais conhecido pelos médicos e divulgados por outros meios, como rádio, imprensa e televisão…
Resumindo, eu diria que é preciso dar mais visibilidade a essa condição. Normalizá-la, e assim a sociedade verá que somos pessoas normais e que o único que queremos é ser respeitados e tratados com igualdade.”
Gonzalo Ibáñez (8 anos):
“Não gosto de falar em público porque penso que vão rir de mim. Gostaria que acreditassem que não faço por querer.”
Sergio Silveira (10 anos):
“Na rua é diferente. Se eu fizer barulhos, as pessoas olham, mas… não posso evitar. Tenho sorte, meus colegas na escola cuidam bem de mim e já consideram isso algo muito normal. No começo, meus professores me mandavam para o corredor porque eu não parava de fazer barulho, e mesmo quando eu dizia que não podia controlar, eles não acreditavam. Mas agora não tenho problema.”
Marcos Varas (9 anos):
“Me acalma muito que as pessoas com quem convivo, meus amigos, meus colegas de classe… saibam o que acontece comigo e não digam nada só porque eu tenho que colocar a tinta vermelha junto com a verde ou apagar o A duas vezes. É mais fácil que crianças da sua idade entendam do que adultos; crianças não fazem tantas perguntas nem ficam com aquela cara de que você é um marciano. Meus amigos só dizem ‘ah, tá certo’ e pronto.
O que eu pediria é que as pessoas não zombem dos outros por fazer algo diferente; eu não faço mal a ninguém pelos meus tiques, mas eles sim me machucam se riem de mim, porque eu me sinto péssimo e penso que nunca serei capaz de fazer nada. O melhor é que quem quiser ficar comigo sabendo como sou e que faço coisas estranhas fique, e quem não quiser, que se afaste, mas ao menos que não atrapalhe, porque eu tento não incomodar ninguém”.
Raúl Varas (13 anos):
“Quando penso em coisas que poderiam me fazer sentir melhor, todas se resumem em uma: que as pessoas me aceitem como sou, que não pensem sempre que vão rir de mim ou olhar para mim como um ET porque tenho tiques ou porque certas coisas me deixam muito nervoso.
Eu me sinto muito melhor quando as pessoas ao meu redor sabem o que acontece comigo. Não tenho nenhum problema em dizer que tenho síndrome de Tourette; já contei na minha turma, para meu time de futebol, para meus amigos… bem, às vezes é evidente que algo acontece e gosto de dar um nome, chama-se Tourette.
Quando as pessoas sabem, param de perguntar ‘O que você está fazendo?’ ou ‘Por que faz isso?’ e não riem pensando que você está fazendo graça. Além disso, percebi que, quando sabem, é como se eu tivesse via livre para fazer meus tiques, e então eles aparecem menos e não preciso sofrer uma explosão de tiques por segurá-los.”
Referências e agradecimentos
Para a elaboração deste artigo contou-se com:
A colaboração dos membros da AMPASTTA (Associação Madrilenha de Pacientes com Síndrome de Tourette e Transtornos Associados) por meio de seus depoimentos escritos: Juan José Gómez (43 anos), Gonzalo Ibáñez (8 anos), Sergio Silveira (10 anos) e Raúl e Marcos Varas (13 e 9 anos).
O artigo “6 Ways to Support Your Friend with Tourette’s”, escrito por Brittany Fichtery e publicado em seu blog sobre a experiência em primeira pessoa com a síndrome. Recuperado de href=”http://brittanyfichterwrites.com/6-ways-to-support-your-friend-with-tourettes/” target=”_blank” rel=”noreferrer noopener nofollow”>http://brittanyfichterwrites.com/6-ways-to-support-your-friend-with-tourettes/
O artigo publicado no wikiHow “How to understand a person with Tourette’s Syndrome”.
Por fim, agradecer a Brittany Fichter por seu excelente artigo e, em especial, aos voluntários da AMPASTTA por seus corajosos depoimentos e ao presidente Mario Martín pelo apoio e disponibilidade.
Feliz semana do Dia Europeu de Conscientização sobre a Síndrome de Tourette!
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