A especialista em intervenção educativa e tratamento do autismo, Irma Fernández Hernández, nos explica como é importante contar com uma rede de apoio em famílias onde um membro apresenta um transtorno do neurodesenvolvimento.
Toda espera está repleta de ilusão, e ainda mais quando se trata de um bebê. Quando chega um filho com transtorno do neurodesenvolvimento, isso impacta toda a família, seja ela parental ou monoparental, funcional ou disfuncional, de qualquer tipo, fazendo com que se passe por um luto inevitável.
Se analisarmos o dia a dia desse núcleo familiar, confirma-se a ideia do que se espera dele: formar para a sociedade um cidadão que contribua para o bem-estar, desenvolvimento e aprimoramento pessoal e de todos, para um bem comum. Para conseguir isso, sem dúvida, é necessário uma rede de apoio que ajude a cumprir o propósito de formar um indivíduo competente e capaz de alcançar qualquer tipo de aprimoramento pessoal e coletivo, colaborando de maneira ativa.
A transcendência do estilo de vida
A exigência do cotidiano nos obriga a adotar estilos de vida que podem ser destrutivos em pequena ou grande escala, a curto, médio ou longo prazo, em aspectos como a alimentação, o ambiente e o relacionamento com tudo ao nosso redor.
A comida rápida é deliciosa, sua apresentação atraente, e é fácil adquiri-la e consumi-la, o que a torna uma preferência para a grande maioria. Muitos pais trabalhadores sentem-se menos culpados ao permitir e incentivar esse tipo de alimentação em seus filhos. No entanto, cada vez fica mais difícil deixar o vício que ela gera. Se algum de seus pequenos tem peculiaridades sensoriais associadas ao paladar e não aceita outra coisa que não sejam “nuggets” ou leite (que parece inofensivo), os pais ou cuidadores alimentarão apenas com isso.
O estilo de vida que construímos inconscientemente geralmente vai contra a natureza, primeiro, da própria criança, seguindo com o ambiente que nos rodeia. Ou seja, não temos tempo para motivar a criança e ensiná-la a plantar uma planta e transformar a batalha de evitar que ela coma a terra em uma oportunidade de conhecer a fase de desenvolvimento pela qual ela está passando. E, além disso, preferimos usar essências manufaturadas como paliativos para induzir o sono, manter o ambiente livre de odores desagradáveis ou comprar guloseimas que as distraiam.
A necessidade de adaptação e de uma rede de apoio
Os seres humanos possuem um sistema cerebral equipado com um conjunto de ferramentas responsável por realizar ações complexas que funcionam antes de nascermos. O ambiente familiar oferece a cada criança inúmeras pistas sociais que lhes permitem se adaptar, aprender, relacionar-se e continuar seu aprendizado.
As pessoas com algum transtorno do neurodesenvolvimento, especificamente autismo, contam com um conjunto de ferramentas que funciona de maneira diferente, por isso o ambiente precisa recorrer a alguns recursos para alcançar o que naturalmente se espera.
As exigentes demandas da sociedade atual
A luta para se encaixar em uma sociedade altamente exigente e mutável, com padrões líquidos, é interminável e chega a ser desgastante, deixando também uma sensação de frustração. Essa volatilidade arruína o esforço das pessoas que vivem com algum transtorno do neurodesenvolvimento, levando suas famílias à beira do colapso.
A importância da rede de apoio nos transtornos do neurodesenvolvimento
Daí a necessidade de gerar uma rede de apoio que ofereça informações básicas e confiáveis sobre a importância de:
- uma alimentação adequada rica em nutrientes que traga benefícios substanciais
- os ganhos ao interagir com a natureza usando as mãos para seu cuidado, preservação e transformação
- oferecer espaços e estratégias que promovam a relação de apoio mútuo, isto é, descobrir o que a pessoa que vive com algum transtorno nos ensina e contribui, como aqueles momentos de paz ao estar consigo mesma e que, dadas as circunstâncias atuais, a sociedade normotípica precisa em algum momento.
Quem vive com algum transtorno nos presenteia com essa rede de apoio natural sem pedir, ela apenas está ali, à nossa disposição, porque ninguém disse que nosso estilo de vida é o correto, pois, se fosse, os índices de doenças por estresse, suicídios, alcoolismo, drogadição, etc., estariam em queda.
A sociedade espera que sejamos competentes em tudo. Essa ideia forma um círculo vicioso nas famílias. Por exemplo, o estresse cotidiano de uma pessoa que cuida de cada integrante de sua família, preocupando-se com o bem-estar físico, emocional e social, e deixa de se concentrar em quem é cada um, no que sente e pensa naturalmente, dando lugar ao que deveria ser, dizer, pensar e fazer, tentando seguir até atingir o modelo de cidadão eficaz. Isso acaba sendo estressante cem por cento, e convém lembrar que toda criança vive através das emoções dos pais.
A adaptação ao meio é importante. Para quem vive com algum transtorno do neurodesenvolvimento, talvez não seja tanto. A família anseia ser incluída e, para isso, fazer parte de uma rede de apoio ajudará a gerenciar as complicações que cada objetivo acarreta.
As dificuldades associadas ao mercado de trabalho
Parece que categorizar é indispensável para o funcionamento de todo grupo, assim as pessoas se classificam em capazes e incapazes. Uns são os que determinam como o mundo deve se mover e outros são os responsáveis por fazê-lo mover.
É por isso que cada vez fica mais difícil incluir com sucesso pessoas com alguma condição no campo de trabalho, pois as oportunidades estão ligadas às capacidades, habilidades e esforços. É aqui que nossos sonhos como pais se tornam impossíveis e a rede de apoio deverá conter a desmoralização paterna.
Recursos para alcançar os objetivos esperados
Histórias sociais, antecipadores com pictogramas, agendas e cronogramas são recursos que facilitam flexibilizar o pensamento (funções executivas) e fazem com que aceitem provar outros alimentos, inclusive comer picolés que adormeçam um pouco a cavidade bucal para lhes degustar alimentos novos e, acima de tudo, nutritivos. É difícil “maquiar” comida caseira para que pareça com o que compramos no supermercado ou em outros estabelecimentos e que seja aceita devido à resposta hiperreativa, porém, vale a pena tentar.
Façamos uma aliança com a natureza, validemos o natural da natureza usando folhas de alface que induzem o sono (talvez fazendo infusões para tomar um banho), a lavanda, o alecrim ou a canela são excelentes aromatizantes e a água, um recurso inestimável para brincar e, ao mesmo tempo, a melhor oportunidade de compartilhar conhecimentos.
O que é a rede de apoio?
Grupo de pessoas que compartilham um mesmo objetivo, com organização flexível, consistente, sustentável e disponível, capaz de sustentar a emocionalidade de cada integrante.
É uma comunidade viva que conhece as características da condição que a une e compartilha experiências com a intenção de guiar e colaborar para melhorar a qualidade de vida de seus integrantes. Porque esse deveria ser o objetivo supremo para todos.
Os pais cujo filho vive com algum transtorno sentem-se frequentemente sozinhos, incompreendidos, julgados, apontados e excluídos pela sociedade dominante (neurotípica).
A recomendação é buscar essa rede de apoio, e, se ela não existir, formar uma que traga força, calor humano, respeito e inclusão.
O bem-estar dos integrantes
O bem-estar é absolutamente subjetivo.
Bem-estar para uma pessoa com transtorno do neurodesenvolvimento
Para a pessoa que vive com algum transtorno do neurodesenvolvimento, como o autismo, pode significar:
- estender no tempo a satisfação que lhe gera,
- alinhar os brinquedos,
- manter a ordem de seus objetos favoritos,
- assistir várias vezes a um filme,
- cheirar o cabelo das pessoas
- e por aí vai.
O bem-estar também pode se relacionar com comer chocolates e alimentos que os alteram ou passar a maior parte do tempo em seu quarto lendo quadrinhos.
Bem-estar para os cuidadores de uma pessoa com transtorno do neurodesenvolvimento
Para os cuidadores, o bem-estar costuma estar relacionado a levar uma vida o mais próxima possível da “normalidade” devido à incerteza que supõe o desejo de que seu filho esteja bem mesmo quando eles já não estiverem.
Assim, são eles que precisam começar a entrelaçar os fios para formar essa rede de apoio, seguidos pelos irmãos, primos ou vizinhos. Toda rede de apoio é responsável por atualizar informações sobre a condição que a compõe, lutar por seus direitos, acompanhá-los em suas obrigações e trabalhar para conquistar oportunidades de trabalho.
A rede de apoio como fonte de desenvolvimento e aprimoramento pessoal
O desenvolvimento integral para qualquer ser humano abrange os aspectos emocional, físico, familiar, social, intelectual e financeiro. Para quem vive com algum transtorno do neurodesenvolvimento, torna-se evidente a dependência, em grande medida, da rede de apoio com a qual conte para alcançar esse desenvolvimento e, em outra medida, de suas próprias capacidades.
A família deve buscar a autonomia de seus integrantes nos aspectos mencionados para que alcancem o desenvolvimento ao qual todos temos direito. É assim que se inicia toda rede de apoio.
Talvez, neste momento, você se pergunte… e as pessoas que requerem ajuda de forma muito evidente, poderão alcançar o desenvolvimento de que se fala? A resposta é sim. É necessário um trabalho gigantesco, colaborativo, que comece no interior de cada célula e se estenda em sua totalidade. Dessa forma é possível visualizar uma melhoria pessoal que gere um impacto no contexto ao qual pertence, começando pela própria rede de apoio. Nem todos estamos destinados a ser engenheiros, arquitetos ou advogados, mas sim a ser bem-sucedidos dentro das possibilidades de cada indivíduo.
Conclusões
Todas as condições em seu núcleo são exatamente as mesmas. Simplesmente, aparecem em suas diferentes manifestações de acordo com peculiaridades específicas em seu âmbito pessoal. A frequência do afeto, compromisso e acompanhamento que toda rede de apoio oferece alcança avanços importantes.
Observar a criança, encontrar seu talento, conectar com seu ser, beneficia a todos. Todos aprendemos uns com os outros. Potencializa novos projetos, acelera o controle de suas próprias instruções pessoais por meio do Mindfulness.
O objetivo é alinhar-se mais profundamente com os princípios da natureza em vez da disputa, do antagonismo e da dificuldade do comum. Onde as coisas não estiverem funcionando, provocar as mudanças necessárias. Encontrar a força, a resistência e a paciência para formar uma rede de apoio quando for uma opção.
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Referências
- Lafuente, A. (coord.). (2020). Como autocuidar(nos). http://laaventuradeaprender.intef.es/documents/10184/127257/Guia+Autocuidarnos.pdg/9e81972a-589b-451f-b496-599d6d6da015
- Bauman, Zygmunt. (2004). Modernidade líquida. https://catedraepistemologia.files.wordpress.com/2009/05/modernidad-liquida.pdf
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