Neste artigo abordamos como potencializar a reabilitação cognitiva utilizando o efeito placebo de forma ética e baseada em evidência científica.
Introdução
O efeito placebo pode influenciar significativamente os resultados da estimulação cognitiva, mesmo na ausência de tratamentos com princípios ativos. Compreender suas bases neurobiológicas e psicológicas permite aos profissionais da neurorreabilitação desenhar intervenções mais eficazes, melhorando a adesão, a motivação do paciente e os resultados terapêuticos.
A seguir, exploramos o que é o efeito placebo, como afeta a cognição, o que diz a evidência científica mais recente e como podem aplicá-lo profissionais como neuropsicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos em seus programas de reabilitação cognitiva.
O que é o efeito placebo? Definição e mecanismos neurobiológicos
O efeito placebo se define como a melhora na saúde ou nos sintomas de uma doença resultante da crença e expectativa do paciente de receber um tratamento eficaz, mesmo que este não contenha ingredientes farmacológicos ativos (Benedetti, 2009). No âmbito da estimulação cognitiva, sua compreensão é chave para potencializar o impacto de tratamentos não farmacológicos.
Principais mecanismos neurobiológicos do efeito placebo
- Sistema dopaminérgico e opioide endógeno: A ativação dessas vias neuroquímicas favorece a liberação de neurotransmissores como dopamina e endorfinas, que podem ativar os circuitos de recompensa, modular a percepção da dor e melhorar o humor (Benedetti, 2021).
- Condicionamento clássico e aprendizagem associativa: As experiências prévias do paciente com terapias eficazes podem gerar respostas condicionadas a estímulos contextuais, como o ambiente clínico ou a linguagem do terapeuta. Esse mecanismo envolve estruturas cerebrais como a amígdala, o hipocampo e o córtex cingulado anterior, e depende da liberação de dopamina no núcleo accumbens (Wager & Atlas, 2015; Colloca & Benedetti, 2005).
- Expectativa e processamento consciente: a crença na eficácia do tratamento ativa regiões como o córtex pré-frontal dorsolateral, o tálamo, a ínsula anterior e o núcleo accumbens, áreas implicadas na atenção, a regulação emocional e a antecipação de recompensas (Wager & Atlas, 2015; Kaptchuk et al., 2010).
Placebo aberto vs. placebo encoberto
Uma distinção importante na pesquisa do efeito placebo é a diferencia entre o placebo encoberto (placebo enganoso) e o placebo aberto.
No placebo encoberto, o paciente recebe uma intervenção inativa acreditando que contém um princípio ativo. Essa modalidade demonstrou efeitos terapêuticos sólidos em diversas patologias, devido à ativação de expectativas positivas e mecanismos neurobiológicos como o sistema dopaminérgico, o opioide endógeno ou a modulação da dor e da ansiedade (Benedetti, 2009; Wager & Atlas, 2015).
Diferentemente do placebo encoberto, o placebo aberto é administrado informando ao paciente que o que está recebendo é um placebo. Estudos recentes exploraram seus efeitos em diversas condições, evidenciando que, em alguns casos, apesar desse conhecimento por parte dos usuários, podem ser observadas melhorias sintomáticas e clínicas (Kaptchuk et al., 2020). Esse fenômeno representa uma abordagem inovadora e eticamente aceitável.
O mecanismo do placebo aberto baseia-se na expectativa consciente, no condicionamento prévio e na ativação de redes cerebrais relacionadas à atenção, à motivação e à antecipação de melhora. Além disso, ressalta o poder da psicoeducação, da aliança terapêutica e da forma como a intervenção é apresentada como fatores-chave para potencializar a resposta do paciente.

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Evidência científica recente do efeito placebo em contextos clínicos e cognitivos
A literatura científica recente lançou luz sobre a relevância clínica do efeito placebo em contextos relacionados à estimulação cognitiva, aos transtornos neuropsiquiátricos e à reabilitação funcional.
Embora o placebo não substitua as terapias ativas, pode potencializar seus efeitos quando é manejado de forma ética e estruturada.
1. Efeito placebo na reabilitação pós-AVC
Uma meta-análise realizada por Jin Y et al. (2021) avaliou os efeitos da estimulação magnética transcraniana simulada (sham rTMS) em pacientes com acidente vascular cerebral. A partir de 26 estudos clínicos, encontrou-se um efeito placebo de tamanho médio (Hedges’ g ≈ 0,47), com melhorias observadas na função motora e cognitiva que persistiram por pelo menos 3 meses. Isso sugere que o quadro terapêutico e as expectativas do paciente podem atuar como coadjuvantes importantes na reabilitação neurológica.
2. Efeito placebo em transtornos mentais como depressão e ansiedade
Uma revisão umbrella de Huneke NT et al. (2023), que analisou mais de 1.700 ensaios clínicos randomizados em psiquiatria, mostrou que o placebo gera melhorias significativas em diversos transtornos mentais como depressão maior, transtornos de ansiedade generalizada e dor crônica. Esses resultados consolidam o papel terapêutico das expectativas no tratamento de sintomas emocionais e somáticos.
3. Placebo como potencializador da psicoterapia
Schienle A e Jurinec N. (2022) demonstraram que o uso de placebo aberto como complemento à terapia cognitivo-comportamental (TCC) para a depressão aumentou significativamente a redução dos sintomas, em comparação com a TCC isolada. Os autores atribuem esses resultados à interação entre a expectativa consciente, a aliança terapêutica e o contexto positivo da intervenção. Essa descoberta apoia a hipótese de que a sugestão positiva consciente pode potencializar tratamentos psicológicos padrão.
4. Placebo em ansiedade e dor neuropática
A meta-análise de Fernández-López R et al. (2022) analisou mais de 80 estudos sobre placebo em ansiedade generalizada, encontrando um efeito médio (SMD ≈ 0,45), comparável ao de alguns ansiolíticos em baixa dose. Por sua vez, o estudo de Cragg JJ et al. (2016) mostrou efeitos placebo clinicamente relevantes no tratamento da dor neuropática central, uma condição comum em doenças neurodegenerativas e lesão cerebral adquirida.
5. Placebo aberto: resultados mistos em população saudável
Hartmann et al. (2023) avaliaram o uso de placebo aberto durante 21 dias em adultos saudáveis sem diagnóstico neurológico ou psiquiátrico. Apesar de gerar alta adesão e percepção positiva, não foram encontradas melhorias significativas em memória, atenção nem velocidade de processamento, o que indica que o efeito placebo é mais evidente em populações clínicas ou vulneráveis.
Como o efeito placebo influencia a estimulação cognitiva?
O efeito placebo impacta a resposta do paciente à estimulação cognitiva não apenas a nível neurobiológico, mas também por meio de fatores psicossociais que modulam a eficácia terapêutica (Benedetti, 2009; Wager & Atlas, 2015).
Esses fatores potencializam a reabilitação cognitiva quando são integrados ao desenho e à aplicação clínica:
- Expectativas positivas do paciente: a crença na eficácia do tratamento ativa circuitos cerebrais relacionados à motivação e à antecipação de recompensa, aumentando o compromisso e o desempenho durante as tarefas cognitivas (Kaptchuk et al., 2010; Wager & Atlas, 2015).
- Contexto e ambiente terapêutico: um ambiente estruturado, seguro e motivador reduz a ansiedade e facilita a atenção sustentada, otimizando a capacidade de aprendizagem e recuperação (Benedetti, 2021).
- Relação terapêutica sólida: a aliança terapêutica baseada na empatia e na comunicação clara promove maior adesão e percepção positiva do progresso, elementos-chave para o sucesso na neurorreabilitação (Benedetti, 2021; Kaptchuk et al., 2020).
- Reforço emocional e simbólico: elementos como feedback positivo, gamificação e materiais visuais atraentes funcionam como reforçadores que amplificam a resposta terapêutica, potencializando a motivação e a percepção de autoeficácia (Meeuwis et al., 2022; Qin et al., 2020).
Assim, o efeito placebo pode ser considerado um mecanismo que amplia o impacto real da estimulação cognitiva, contribuindo para melhores resultados funcionais quando esses fatores são adequadamente aproveitados na intervenção clínica.
Recomendações práticas para profissionais da neurorreabilitação
Os profissionais da neurorreabilitação podem integrar de forma ética e eficaz o conhecimento sobre o efeito placebo em suas intervenções:
1. Projetar experiências terapêuticas positivas e motivadoras
- Cuide do ambiente e da apresentação das atividades: utilize materiais atraentes, espaços organizados e tecnologia que facilite a interação.
- Reforce verbalmente cada conquista, por menor que seja, para gerar confiança e sensação de progresso.
- Incorpore elementos de gamificação e feedback imediato para manter o interesse e a motivação (Meeuwis et al., 2022).
2. Promover expectativas realistas e otimistas
- Explique claramente como e por que a estimulação cognitiva pode ajudar, evitando promessas exageradas ou falsas esperanças.
- Envolva o paciente na compreensão do seu processo, enfatizando seu papel ativo na melhora (Benedetti, 2021).
- Use mensagens positivas que potencializem a autoeficácia e o controle percebido sobre a recuperação (Wager & Atlas, 2015).
3. Fortalecer a aliança terapêutica
- Ouça ativamente, valide as emoções e mostre empatia constante.
- Mantenha uma comunicação clara, honesta e coerente, que gere confiança e segurança.
- Estabeleça metas compartilhadas e personalize o tratamento de acordo com as necessidades e expectativas individuais (Kaptchuk et al., 2020).
4. Monitorar resultados com rigor e objetividade
- Combine escalas subjetivas validadas, como a Visual Analogue Scale (VAS), o Patient Global Impression of Change (PGIC) ou o Beck Depression Inventory-II (BDI-II), com testes neuropsicológicos padronizados, como o MoCA, o Trail Making Test, ou o RAVLT, para distinguir entre melhorias reais e efeitos esperados.
- Realize avaliações periódicas que permitam ajustar a intervenção e detectar possíveis vieses relacionados ao efeito placebo.
- Registre o progresso para reforçar a percepção de avanço, sem perder de vista a objetividade científica (Qin et al., 2020).
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Conclusão
O efeito placebo na estimulação cognitiva e na saúde mental é um fenômeno neurobiológico real com implicações clínicas relevantes. Quando é compreendido e gerido de forma ética, pode melhorar a eficácia dos tratamentos, aumentar a adesão do paciente e potencializar a motivação terapêutica.
Para os profissionais da neurorreabilitação, integrar estratégias que ativem esse efeito de forma natural e transparente representa uma oportunidade para maximizar os benefícios clínicos sem renunciar à evidência científica.
Bibliografia
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- Benedetti, F. (2011). The Patient’s Brain: The neuroscience behind the doctor-patient relationship (2nd ed.). Oxford University Press.
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- Wager, T. D., & Atlas, L. Y. (2015). The neuroscience of placebo effects: Connecting context, learning and health. Nature Reviews Neuroscience, 16(7), 403–418.
Perguntas frequentes sobre o efeito placebo
1. O que é o efeito placebo na estimulação cognitiva?
É a melhora percebida ou real do desempenho cognitivo provocada pela expectativa positiva do paciente, sem que haja uma mudança no tratamento ativo.
2. O placebo melhora funções cognitivas?
Sim, especialmente em pacientes motivados e em contextos terapêuticos bem projetados. Seu efeito é limitado em população saudável.
3. O que é um placebo aberto e ele é ético?
Sim. O placebo aberto informa ao paciente que não há princípio ativo, mas apoia-se na expectativa consciente. Tem respaldo científico em múltiplos estudos.
4. É possível medir o efeito placebo na neurorreabilitação?
Sim. Recomenda-se usar testes objetivos e repetir medições para distinguir entre melhorias reais e melhorias induzidas por expectativas.
5. Devo usar o efeito placebo como estratégia terapêutica?
Não como substituto, mas sim como potencializador. Integrá-lo de forma ética pode melhorar a eficácia do tratamento.







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