O neuropsicólogo Ramón Fernández de Bobadilla explica neste artigo como realizar uma reabilitação neuropsicológica na doença de Parkinson.
O que é a doença de Parkinson?
A doença de Parkinson é o distúrbio neurodegenerativo motor mais comum, com uma prevalência na Europa estimada de 108-207 por cada 100.000 habitantes. Embora exista uma minoria de casos de origem genética, a causa é fundamentalmente desconhecida, sendo a idade o principal fator de risco para seu desenvolvimento.
A evolução da doença é muito lenta e grande parte de sua sintomatologia ocorre pela morte de neurônios dopaminérgicos e a consequente diminuição de terminais relacionados a esse neurotransmissor.
Sintomas da doença de Parkinson
Os quatro pilares diagnósticos da doença de Parkinson são:
- bradicinesia,
- rigidez,
- tremor
- instabilidade postural.
Os sintomas surgem tipicamente de forma unilateral e, embora com o tempo se tornem bilaterais, geralmente mantém-se a assimetria. Embora o sintoma mais identificável da doença de Parkinson para o público seja o tremor, a verdade é que não se trata de um sintoma definidor nem específico. O que realmente define a doença de Parkinson é o parkinsonismo. Isso implica necessariamente a presença de bradicinesia (escassez e lentidão de movimentos voluntários, que se manifestarão na avaliação pela afetação de movimentos repetitivos).
Fase inicial
Após o surgimento de sintomas motores, os pacientes apresentam uma fase inicial com boa resposta à terapia farmacológica por meio da reposição dopaminérgica, que costuma se estender por cerca de 5 anos.
Evolução
A partir daqui, paulatinamente, desenvolver-se-ão complicações e surgirão novos sintomas à medida que a neurodegeneração progride. O tempo decorrido desde o início da sintomatologia motora até a incapacidade é altamente variável entre os pacientes, e geralmente oscila entre 10 e 20 anos.
Sintomatologia não motora
Apesar da importância dos sintomas motores, cada vez mais se presta atenção à sintomatologia não motora da doença de Parkinson. Isso não é útil apenas do ponto de vista diagnóstico (já que se encontra em todos os estágios da doença), mas é de importância capital para o acompanhamento e cuidado desses pacientes devido à sua relevante repercussão na qualidade de vida.
A sintomatologia não motora é altamente complexa e abrange aspectos tanto cognitivos quanto neuropsiquiátricos, assim como distúrbios do sono, disfunção autonômica, sintomas gastrointestinais ou sensoriais. Alguns desses sintomas podem ser gerados ou agravados pela própria medicação dopaminérgica (síndrome de desregulação dopaminérgica, alucinações, psicose, hipotensão postural, sonolência diurna, etc.).

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Deterioração cognitiva na doença de Parkinson
A doença de Parkinson acarreta deterioração cognitiva de forma quase inevitável em seu curso, e até 80% dos pacientes desenvolve demência após 20 anos de evolução. Em estágios iniciais, aproximadamente 30% dos pacientes apresenta comprometimento cognitivo leve, sendo este um fator de risco independente para o posterior desenvolvimento de demência.
Além do comprometimento cognitivo, na doença de Parkinson são muito frequentes a presença de ansiedade, depressão, apatia, ilusões e alucinações.
Os distúrbios cognitivos são reconhecidos hoje em dia como sintomas altamente prevalentes e de vital importância para a qualidade de vida desses pacientes.
Classicamente, têm sido atribuídos à depleção dopaminérgica secundária à neurodegeneração da substância negra, que acarreta um déficit desse neurotransmissor no nível estriatal e, consequentemente, uma falha dos circuitos fronto-subcorticais.
No entanto, nos últimos anos essa visão tem se ampliado, dada a crescente evidência da implicação de estruturas corticais e extra-nigrales.
Perfil neuropsicológico na doença de Parkinson
Os déficits cognitivos iniciais na doença de Parkinson podem não ser clinicamente aparentes e, em vez disso, serem detectados por meio de uma avaliação neuropsicológica estruturada.
Dessa forma, podemos encontrar déficits cognitivos em pacientes aparentemente não afetados, sendo esses déficits de natureza disejecutiva na maioria dos casos.
De fato, o perfil neuropsicológico encontrado em pacientes com doença de Parkinson assemelha-se ao observado em pacientes com lesão no lobo frontal.

No entanto, também podemos encontrar pacientes que desde estágios iniciais apresentam queixas clínicas, como dificuldades na manutenção da atenção enquanto leem, realizam esforços mentais prolongados ou quando precisam realizar determinadas operações mentais.
É característica a dificuldade em “encontrar a palavra” (“fenômeno da ponta da língua”), o que se relaciona com déficits na fluência verbal semântica desde estágios muito precoces.
Os problemas na recordação de fatos episódicos recentes também são frequentes e se relacionam com o comprometimento dos testes de memória verbal de evocação livre e dos testes de memória visual.
As dificuldades na realização de tarefas simultâneas, planejamento de atividades e organização da vida diária (correspondências, finanças, projetos de trabalho) podem ser percebidas desde muito cedo pelos pacientes, e têm sido relacionadas à disfunção executiva.
Apesar do aparecimento precoce de déficits na percepção visual, isso normalmente não se traduz em queixas sobre a percepção do movimento ou o reconhecimento visual por parte dos pacientes.
À medida que o deterioro cognitivo avança, os sintomas relacionados à memória e às funções executivas tornam-se mais evidentes tanto para o paciente quanto para seu entorno.
Problemas na transição para demência
Na transição para demência, os problemas de linguagem surgem, e os pacientes com doença de Parkinson enfrentam dificuldades na compreensão e produção da linguagem, além de uma tendência a perder o fio da conversa.
Os problemas de linguagem nos estágios médio e avançado caracterizam-se pela alteração na compreensão de frases, produção verbal deficiente e uma ativação semântica diminuída.
Portanto, outros sistemas distintos do dopaminérgico e outros circuitos diferentes dos fronto-estriatais devem estar necessariamente afetados na doença de Parkinson. Há evidências crescentes de que a implicação do sistema colinérgico é de importância capital no transtorno cognitivo associado à doença de Parkinson.
Reabilitação neuropsicológica na doença de Parkinson
Alguns ensaios estudaram os benefícios que o uso de inibidores da colinesterase provoca na cognição, no comportamento e na qualidade de vida de pacientes com doença de Parkinson e demência, mas ainda não foi aprovado um enfoque farmacológico especificamente direcionado a tratar o comprometimento cognitivo leve nesses pacientes ou prevenir a evolução dos sintomas.
No entanto, embora as evidências ainda sejam limitadas, também se observa uma melhora da cognição em pacientes com doença de Parkinson por meio de intervenções não farmacológicas.
O uso da terapia cognitivo-comportamental demonstrou uma notável efetividade como tratamento para depressão e ansiedade nesses pacientes, resultando em benefício em sua capacidade de enfrentar a doença e melhorando sua qualidade de vida.
Mas o que cada vez se consolida mais como uma estratégia-chave para retardar a involução para estágios próximos à demência na doença de Parkinson é o trabalho por meio do uso de treinamento cognitivo, exercício físico ou a combinação de ambos.
O treinamento cognitivo mostra-se seguro e provoca uma melhora mensurável do desempenho cognitivo, particularmente na memória de trabalho e funções executivas, principalmente na velocidade de processamento da informação.
É respaldado desde o uso de estimulação por meio de tarefas com papel e caneta até estratégias baseadas em programas computadorizados.
Da mesma forma, foram observados benefícios por meio de um trabalho tanto generalizado quanto centrado em processos cognitivos específicos (principalmente nas funções executivas), assim como em exercícios controlados pelo movimento.

O trabalho por meio de videogames ou realidade virtual torna-se também um treinamento de habilidades que muitas vezes é percebido como agradável, alcançando a implicação de aspectos motivacionais e emocionais (lembremos o peso da apatia), aumentando o vínculo com a reabilitação e, consequentemente, a cumplicidade com o trabalho a longo prazo por parte do paciente.
O elemento competitivo pode ser um fator motivacional adicional para continuar envolvido no programa de treinamento cognitivo, com repercussão em aspectos sociais e familiares.
Maior frequência do treinamento
Além disso, temos a vantagem de que esse tipo de ferramenta permite que o trabalho possa ser realizado no próprio domicílio (sempre com supervisão e monitoramento de um profissional), o que aumenta a frequência do treinamento.
Devemos acrescentar também que, ao analisar as características específicas da doença, com suas áreas e funções afetadas em maior ou menor grau dependendo de cada caso, os programas projetados para pacientes com lesões focais que demonstraram efetividade também podem ser positivos para pacientes com doença de Parkinson em busca de conter o deterioro. Isso se traduz em uma otimização de sua participação na sociedade e na qualidade de vida.
Apesar do progresso alcançado no desenvolvimento do treinamento cognitivo para esses pacientes, devemos estar cientes de que esse trabalho visa à redução do impacto decorrente dos sintomas e a uma melhora da funcionalidade e da qualidade de vida.
Não devemos esquecer que, por se tratar de uma doença neurodegenerativa, estamos longe de uma eliminação total da sintomatologia, pois atualmente a progressão da doença é inexorável.
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Conclusão
Em conclusão, o treinamento cognitivo em combinação com intervenções comportamentais pode ajudar os pacientes com Parkinson a superar o enorme desafio que é viver com essa doença. Nosso objetivo como profissionais ou familiares deve sempre ser buscar maximizar seu bem-estar e qualidade de vida.
Apesar de ainda estarmos nas fases iniciais da pesquisa sobre os benefícios reais desse tipo de estratégias não farmacológicas e de as limitações metodológicas, em muitos casos, serem praticamente intransponíveis devido à complexidade dessa doença, o trabalho voltado à otimização dessas estratégias, buscando torná-las eficazes para os pacientes, tanto em estágios precoces quanto avançados da doença, é um enorme desafio que deve nos motivar a continuar atuando nessa direção.
Bibliografia
- Troster, A. I. [Ed]. (2015). Clinical neuropsychology and cognitive neurology of Parkinson’s disease and other movement disorders. Clinical Neuropsychology and Cognitive Neurology of Parkinson’s Disease and Other Movement Disorders.New York, NY, US: Oxford University Press.
- Wilson, B. A., Winegardner, J., van Heugten, C. M., &Ownsworth, T. (2017). Neuropsychological Rehabilitation: The International Handbook. Taylor & Francis.
- Fernández de Bobadilla, R. (2017). Desarrollo y validación de nuevas herramientas para la valoración cognitiva y funcional del deterioro cognitivo leve en la enfermedad de Parkinson. Tesis doctoral. Universidad Autónoma de Barcelona.










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