As pessoas autoritárias ou fundamentalistas têm sempre algum dano neurológico? O psicólogo Javier Tomás faz uma breve neuropsicologia do autoritarismo.
Cena de um supermercado.
– Só tenho uma barra de pão, você poderia me deixar passar, por favor? – diz uma moça com sotaque árabe.
– Não, não. Desculpe, estou com pressa.
A senhora termina de passar suas compras de meio carrinho, e a moça pega sua barra de pão e vai embora. A senhora está colocando as coisas no carrinho dela, me olha – sorte não me ter confundido com um russo ou um irlandês – e me diz:
– Eles vêm aqui e acham que todos temos que seguir os costumes deles.
Eu não digo nada. Na realidade, são nossos costumes. Ou talvez de todos. Só faço a pergunta: de que forma nosso cérebro funciona quando as pessoas apresentam esse tipo de comportamento?
Ao que parece, esse comportamento está relacionado (me parece óbvio) com os lobos pré-frontais. A forma mais extrema de preconceito, o autoritarismo (que não é um comportamento religioso, político ou de procedência per se, mas sim de enfrentamento) está ligado à forma como duvidamos. A explicação dada por Asp, Ramchandran – não confundir com Ramachandran – e Tranel (2012) é a seguinte:
- Quando avaliamos, tendemos a estabelecer um juízo de veracidade que implica uma dúvida. Esse processo ocorre em duas etapas: a representação mental e a avaliação.
- Todas as ideias normativas representadas (fase 1) são inicialmente consideradas verdadeiras (o cérebro tende à simplificação). No entanto, depois ocorre uma análise psicológica secundária (a avaliação, fase 2) que pode gerar dúvida.
- A representação inicialmente tida como verdadeira deve ser catalogada como “valor falso” para produzir dúvida e ser reavaliada (como vimos no post anterior, uma das principais áreas implicadas nesse processo é o córtex cingulado anterior).
- Os lobos pré-frontais são responsáveis por catalogar a crença como “valor falso”.
- Com base na hipótese do marcador somático de Damasio, podemos dizer que essa recatalogação como “valor falso” em termos evolutivos tem sido (e continua sendo) de natureza emocional (talvez como um resquício da avaliação do “intruso” que adentrava o nosso território?).
Portanto, poderíamos dizer que o autoritarismo, em parte, surge como um processo de detecção de erro deficitário em erros normativos. Isso gera crenças que não elaboram um juízo reflexivo, já que não produzem um conflito interno (não há detecção de erro) devido ao comprometimento pré-frontal. Esse dano não afetaria inicialmente a memória de trabalho (nem a inteligência).
Comportamentos antissociais
Os comportamentos antissociais associados a esse comprometimento seriam explicados porque as representações de comportamentos inadequados não são corretamente filtradas nos córtices de associação pós-rolândicos.
De forma empírica, esses autores constataram em pacientes com comprometimento no córtex pré-frontal ventromedial o aumento de crenças religiosas (inclusive o surgimento das mesmas), autoritarismo e fundamentalismo.
Esse aumento é significativo em comparação a outro tipo de populações neurológicas, inclusive a pacientes com lesão frontal não pré-frontal. Também em relação a pacientes com eventos médicos traumáticos não neurológicos.
A tudo isso podemos adicionar ambientes que favorecem normas rígidas e estereotipadas, sem nenhum membro discordante ou cético em relação à doutrina principal. Sob um ponto de vista neurobiológico, essa modulação contínua (Educação? Lavagem cerebral?) da amígdala produz um mecanismo de “curto-circuito” (uma via rápida de ação).
A amígdala se ativaria e o córtex cingulado (responsável por reduzir ativações excessivas da amígdala) não acionaria mecanismos de controle de erro porque o lobo pré-frontal não estabeleceu a possibilidade de juízo falso. Consequências? Além das mencionadas, comportamentos repetitivos (impulsividade) e, em muitos casos, agressivos. Podemos observar isso quando dentro desses círculos a norma é infringida: imediatamente, o infrator é punido com severidade.
A punição é vista como positiva
Essa punição é vista como positiva dentro do grupo de referência, o que favorece que o córtex orbitofrontal estabeleça contingências negativas com o comportamento “fora-da-norma” (medo), e uma relação de contingência positiva entre a forma de julgar o infrator e a emoção que isso acarreta (aceitação pelo grupo – empatia, percepção de poder – hedonismo, etc.). Essas contingências constroem o self da pessoa autoritária.
E o constroem de maneira enviesada porque não existe insight sobre os próprios defeitos, exatamente como nos pacientes com lesão no córtex pré-frontal ventromedial. (Nota: Considera-se que o córtex pré-frontal ventromedial faz parte de – em alguns textos se sobrepõe com – o córtex orbitofrontal).
A ínsula
Quando vemos outras pessoas sofrerem, essa região se ativa produzindo os primeiros vestígios de empatia emocional. De fato, a ínsula foi proposta como um nó importante das diferentes redes de neurônios-espelho.
Seria interessante estudar como esse processo (ver sofrer uma pessoa “que infringiu as normas”) afeta outras áreas implicadas na empatia. Haverá ativação significativa da ínsula? A ínsula é uma estrutura conhecida por ser o principal centro de representação corporal (junto ao córtex somatossensorial).
Tudo o que foi mencionado não significa que todas as pessoas autoritárias ou fundamentalistas tenham um dano neurológico, mas serve para explicar as vias que parecem estar implicadas nesse fenômeno.
A propósito, a mulher encontrou uma amiga e ficou conversando com ela por 15 minutos.
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