A neuropsicóloga Lidia García Pérez explica as novas propostas em estimulação sensorial para os transtornos de consciência.
Os programas de estimulação sensorial têm uma longa história de uso em neurorreabilitação, sendo uma das opções terapêuticas mais utilizadas na abordagem dos transtornos globais de consciência após uma lesão cerebral grave[1].
A ideia na qual se baseiam é que ambientes enriquecidos promovem a plasticidade neuronal e, portanto, a recuperação desses pacientes[2, 1]. No entanto, diversas revisões sistemáticas recentes[3, 4, 5, 6], incluindo uma publicada pela Colaboração Cochrane[3], concluem que ainda faltam evidências confiáveis que apoiem ou verifiquem a efetividade da estimulação sensorial em pacientes com transtornos globais de consciência (estados de coma, vegetativo ou vigília sem resposta, mínima consciência).
Além disso, nos últimos anos houve avanços no conhecimento do cérebro em geral e dos transtornos de consciência em particular, e surgiram novos paradigmas e noções teóricas que tornam necessário avaliar se as principais características do método de estimulação sensorial continuam adequadas com base no que conhecemos hoje.
Recentemente, Frontiers in Human Neuroscience publicou um trabalho[2] no qual os autores revisam as principais características da estimulação sensorial, avaliando quais estão desatualizadas e quais não, e propondo algumas mudanças que estão de acordo com os conhecimentos e perspectivas teóricas atuais.
O post de hoje aborda brevemente a estimulação sensorial e a concepção atual de consciência e de transtornos de consciência, para em seguida apresentar um resumo desse trabalho.
Concepção atual de consciência e dos transtornos globais de consciência.
Tradicionalmente, o estado normal de consciência e os transtornos de consciência (estados de coma, vegetativo ou vigília sem resposta e mínima consciência) têm sido definidos com base em dois componentes:
- O arousal (o nível de alerta ou ativação, “estar consciente”) que se define como a capacidade de acordar e manter os ciclos sono-vigília.
- O awareness (conteúdo da consciência ou “estar consciente”) que se define como a capacidade de integrar os diferentes estímulos sensoriais em um conhecimento que nos permite ter consciência de nós mesmos e do que acontece ao nosso redor[7].
Assim, o estado de coma caracteriza-se por ser uma condição normalmente transitória, na qual o paciente não apresenta arousal nem awareness e permanece com os olhos fechados, sem responder à estimulação ou comunicar-se.
No estado vegetativo ou de vigília sem resposta, o paciente apresenta os olhos abertos, refletindo a preservação do sistema reticular de ativação ascendente e, portanto, o arousal. Porém, por não ser capaz de gerar um comportamento específico, considera-se que carecem de consciência ou awareness.
E, por fim, no estado de mínima consciência, os pacientes são capazes de gerar comportamento, que embora variável é reproduzível, o que faz considerar que possuem awareness além do arousal[8].
No entanto, nos últimos anos, os mecanismos de consciência foram associados a novas concepções, tais como informação distribuída[9], áreas corticais que interagem e conectividade cerebral[10, 11]. E, atualmente, a consciência é vista como a capacidade de um sistema de integrar informações que parece depender da capacidade do cérebro de sustentar padrões complexos de atividade distribuídos entre as áreas corticais que interagem [2].
Em consonância com essa perspectiva, os transtornos de consciência foram redefinidos recentemente como uma síndrome de desconexão, na qual uma interrupção funcional e/ou estrutural ao nível de um mesocircuito córtico-estriado-pálido-tálamo-cortical afeta o retorno da capacidade de resposta consciente [12], opinião respaldada por diversas linhas de evidência recentes [1].
Nesse paradigma conexionista entram em jogo novas noções teóricas e, por isso, é pertinente também considerar novos fatores ao propor os tratamentos adequados para pacientes com transtornos de consciência, tanto em nível global, quanto a uma possível integração das diversas abordagens de tratamento existentes (neuromodulação, tratamento farmacológico, estimulação sensorial etc.), quanto em nível particular, no que diz respeito a cada uma delas, no caso em questão, aos programas de estimulação sensorial.
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O que é a estimulação sensorial?: fundamento e características principais.
A estimulação sensorial para pacientes com transtornos de consciência é uma metodologia direcionada a promover o arousal e a resposta comportamental desses pacientes por meio da aplicação de estímulos ambientais[13], de modo que, ao fornecer informação sensorial gradativamente ao seu sistema nervoso, façamos com que o paciente realize alguma ação, no nível em que ele possa responder[7].
Para isso, utiliza-se cheiros e sabores diferentes de intensidade moderada a alta, sons verbais e não verbais (entre estes últimos, ruído branco ou música), estímulos visuais (objetos, fotografias) e estímulos táteis (contato físico, sentir o próprio corpo, objetos de diferentes texturas, deslocar um objeto etc.)[7].
Embora tenham sido adotadas diferentes versões e procedimentos dentro desse método, estes coincidem invariavelmente nas seguintes características [2]:
- Os estímulos apresentados são simples,
- com uma intensidade de moderada a alta,
- possivelmente têm um conteúdo autobiográfico e/ou emocional,
- são apresentados repetida e frequentemente,
- são administrados por múltiplos canais sensoriais.
A estimulação sensorial é uma metodologia pouco invasiva, que não implica perigo, econômica e fácil de aplicar, razões pelas quais continua sendo um método de reabilitação atraente [14]. No entanto, como mencionado acima, sua base teórica não foi claramente definida no passado e, em geral, existem resultados contraditórios sobre sua efetividade que tornam necessária a investigação adicional de seus procedimentos com uma metodologia mais controlada [3, 4, 5, 6], assim como a atualização de suas características com base no conhecimento atual[2].
Novas propostas em estimulação sensorial para os transtornos de consciência
Abbate et al.[2] avaliaram as principais características do método de estimulação padrão e apresentam uma proposta atualizada que inclui algumas modificações. Suas propostas são:
Estimulação complexa, incluindo estímulos estruturados e significativos
Como assinalam os autores, nos protocolos padrão de estimulação sensorial costuma-se utilizar estimulações simples e frequentemente sem significado (descontextualizadas), seguindo a hipótese tácita de que pacientes com transtornos de consciência têm capacidades de atenção reduzidas e, portanto, estímulos simples são mais adequados por serem mais fáceis de processar cognitivamente.
No entanto, estudos recentes indicam que esses pacientes podem participar de tarefas estruturadas e podem ter preservado respostas complexas, o que sugere que mantêm “ilhas de funcionamento cognitivo de alto nível” preservadas.
Com base nesses achados, os autores propõem que o objetivo dos futuros protocolos seja a estimulação dessas funções cognitivas isoladas, porém preservadas de alto nível, para o que estímulos complexos poderiam se mostrar mais eficientes do que os simples.
Evitar alta frequência e repetição dos estímulos
Geralmente, os programas padrão consistem em apresentar uma estimulação simples, repetitiva, frequente e de intensidade moderada a alta.
Os autores destacam que esse procedimento é contrário aos objetivos de estimulação dos processos cognitivos, pois pode ocorrer uma resposta de habituação, que, como lembram, consiste em uma diminuição da resposta neuronal e comportamental resultante da estimulação repetida.
Portanto, propõem evitar tanto a repetição quanto a alta frequência de apresentação dos estímulos, pois também uma estimulação mais frequente resulta em uma diminuição da resposta mais rápida e/ou mais pronunciada.
Administrar estímulos de intensidade apropriada, intercalados ocasionalmente com estímulos de alta intensidade
Quanto à intensidade, a vantagem da estimulação intensa (estímulos de início abrupto e alta energia) é que ela desperta a atenção facilmente; no entanto, diante dos resultados mistos apresentados pela pesquisa a esse respeito, os autores questionam se a estimulação intensa também pode induzir habituação ou não, por isso propõem intercalar estimulação de intensidade adequada (por isso, eu entendo, de intensidade natural) com estímulos intensos de forma ocasional.
Estimulação multisensorial integrada e simultânea
Um protocolo típico de estimulação sensorial geralmente envolve a estimulação de muitas modalidades sensoriais diferentes (visual, auditiva, tátil etc.), razão pela qual costuma ser definido como multimodal. No entanto, os estímulos utilizados são de uma única modalidade, estimulando cada canal sensorial separadamente. Assim, a estimulação praticada não é realmente multisensorial, uma vez que diferentes estímulos unimodais são administrados em série.
Como indicam os autores, a pesquisa recente em integração multissensorial aponta que a atenção tende a se orientar mais facilmente para os inputs ou entradas sensoriais que possuem propriedades multissensoriais e que isso ocorre automaticamente.
Além disso, também fazem referência a diversos estudos neurofisiológicos que sugerem que o processamento cerebral cortical é multissensorial não apenas nos córtices associativos, mas também nos córtices primários. Por isso, concluem que estímulos multissensoriais são uma opção melhor do que os unimodais, pois potencialmente são mais capazes de captar processos atencionais e as funções cognitivas de alto nível preservadas isoladamente em pacientes com transtornos globais de consciência.
Estímulos emocionais
Baseando-se em estudos publicados desde 2005, os autores concluem que o uso de estímulos emocionais continua sendo uma opção valiosa nos procedimentos de estimulação sensorial.
Em concreto, eles apresentam achados sobre:
- O acesso prioritário que a informação emocional tem à cognição (atenção e consciência)
- seu melhor recordação em relação à informação sem conteúdo emocional,
- sua influência em representações de alto nível, como pensamentos e ações,
- sobre a possível facilitação da integração do processamento emocional com processos cognitivos top-down, como atenção, contexto da tarefa e consciência.
Estímulos com conteúdo autobiográfico
Os estímulos com conteúdo autobiográfico também contam com o respaldo da pesquisa recente para serem considerados opções adequadas, pois, com base nas evidências apontadas, promoveriam a integração que favorece a consciência e teriam as mesmas vantagens do processamento emocional.
Em particular, as memórias autobiográficas ativam uma ampla rede de regiões cerebrais e com isso diversos sistemas de memória (episódica, semântica pessoal) e outros processos (imagética visual, autorreferência, processos emocionais e de controle executivo), o que sugere que essas memórias facilitam a integração da informação.
Também foi proposta uma estreita relação entre a memória episódica e um alto nível de consciência (nível autonoético) como mecanismo de facilitação da consciência.
Estimular as respostas pedindo ao paciente que realize ações
Os protocolos padrão de estimulação sensorial costumam-se limitar a estimular a percepção ou, na melhor das hipóteses, a memória e o processamento emocional associado a alguns estímulos.
Com base em estudos de neuroimagem funcional e neurofisiológicos que recentemente informaram que um subconjunto de pacientes com transtornos de consciência exibe “respostas encobertas”, os autores sugerem que pode ser benéfico solicitar ao paciente, durante a sessão, que realize ações complexas, de forma que, além de estimular seu arousal, estimulemos também condutas definidas, por meio de repetições e exercícios.
Embora as evidências indiquem que praticamente cada experiência (incluindo percepção) tem o potencial de modificar o cérebro e produzir mudanças duradouras, essa plasticidade em muitos casos é específica. Por isso, a estimulação limitada à percepção poderia induzir mudanças restritas, enquanto se esperariam resultados maiores ao estimular tanto o processamento de entrada ou perceptivo quanto o de saída ou ação.
Além disso, foi proposta uma teoria da representação da ação que considera a ação como o núcleo das redes representacionais mais importantes (com o que, os autores sugerem que a abordagem das ações, além das percepções, poderia promover a integração).
Ações naturalistas e dinâmicas em um contexto real ou virtual
Os contextos em que costumam ocorrer as sessões de estimulação (clínicos) geralmente são artificiais, levando o terapeuta a utilizar estímulos simples e repetitivos e administrá-los de forma controlada, de modo semelhante ao que se faria em um laboratório. Além de serem estímulos sem relevância emocional nem conteúdo autogr







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