A seguir, você será testemunha de uma conversa com Mar Piquer Martínez, a coordenadora do projeto PsicoNED em Zanzibar. Esta iniciativa, que já abordamos anteriormente em outros artigos, oferece apoio psicológico e cognitivo a crianças com hidrocefalia e espinha bífida, assim como às suas famílias, em um ambiente marcado pela vulnerabilidade.
Nesta entrevista, você poderá conhecer mais de perto diferentes aspectos como os inícios, o propósito e os desafios do projeto, as necessidades da comunidade de Zanzibar, como o PsicoNED envolve a comunidade local e como ferramentas digitais como a NeuronUP permitiram melhorar significativamente o atendimento a essas pessoas.
Saiba mais sobre
NeuronUP
Experimente Gratuitamente
A plataforma que mais de 4.500 profissionais utilizam todos os dias
1. Para quem ainda não conhece o PsicoNED, você pode nos contar em que consiste o projeto e qual é o seu propósito?
O PsicoNED é um projeto de atenção psicológica integral que nasceu em 2023 como uma iniciativa da Fundación NED. Seu objetivo é oferecer apoio psicológico às crianças vinculadas à House of Hope de Zanzibar, bem como às suas famílias.
A House of Hope é um centro sociossanitário gerenciado pela Associação de Pacientes com Hidrocefalia e Espinha Bífida de Zanzibar (HSBCO), cofinanciado pela Child Help e pela Fundación NED, da qual faço parte. Este centro oferece alojamento e alimentação temporária a famílias em situação de especial vulnerabilidade. Também facilita o transporte e a coordenação com o Hospital Mnazi Mmoja, bem como com o Instituto NED Mnazi Mmoja, onde se encontra o serviço de neurocirurgia de referência do arquipélago. Além disso, também oferece fisioterapia e terapia ocupacional duas vezes por semana.
Nesse contexto surgiu o PsicoNED e, desde então, o projeto tem dois grandes propósitos:
- Avaliar psicologicamente e cognitivamente crianças com hidrocefalia e espinha bífida em Zanzibar, elaborando intervenções individualizadas que respondam às suas necessidades específicas.
- Oferecer psicoeducação e apoio emocional às suas famílias, comunidades e ambientes mais próximos.
2. O PsicoNED leva psicologia e neurorreabilitação a Zanzibar. Quais necessidades você detectou na comunidade que evidenciaram a importância deste projeto na região?
Até poucos anos atrás, as crianças com hidrocefalia e espinha bífida mal recebiam atendimento cirúrgico em Zanzibar, devido à ausência de neurocirurgiões e de recursos materiais.
Quando a Fundación NED começou a intervir nesses casos e as crianças começaram a se recuperar após as cirurgias, surgiu um novo desafio: criar recursos especializados para seu atendimento e reabilitação posterior. Assim nasceu a House of Hope, cujo primeiro serviço foi a reabilitação física por meio de fisioterapia e terapia ocupacional.
Nessa mesma linha surge o PsicoNED. Muitas dessas crianças apresentam comprometimentos cognitivos em funções como memória, atenção, linguagem ou planejamento. Além disso, algumas têm diagnósticos associados como deficiência intelectual, autismo, epilepsia, etc. Em Zanzibar não existem serviços especializados em psicologia, por isso nenhuma criança havia recebido um diagnóstico nem, muito menos, uma intervenção especializada.
Ter uma deficiência em Zanzibar representa uma limitação no acesso à educação, além de gerar estigma e rejeição social. Algumas crianças nem sequer chegam a frequentar a escola, por medo de serem rejeitadas ou pela falta de recursos adequados. Outras até frequentam, mas não recebem adaptações e ficam completamente desorientadas.
Por tudo isso, além de nos concentrarmos na neuropsicologia para favorecer seu desenvolvimento, era imprescindível acompanhar também, do ponto de vista psicológico, outras dificuldades vividas por essas crianças e suas famílias.
3. Para entender melhor o impacto do PsicoNED, você pode nos contar em que consiste o trabalho diário da equipe e que tipo de atividades são realizadas?
Atualmente, as atividades do PsicoNED incluem:
- Sessões individuais de neuropsicologia.
- Grupos de apoio para mães e adolescentes.
- Reuniões de planejamento, elaboração e supervisão de intervenções.
- Acompanhamento das crianças no ambiente escolar e familiar (visitas domiciliares).
- Acompanhamento de voluntários locais.
- Sensibilização comunitária sobre hidrocefalia e espinha bífida.
A rotina na House of Hope varia a cada dia, pois muitas atividades são organizadas semanal ou mensalmente (como os grupos de apoio). Atualmente estamos implementando um planejamento semanal estruturado da seguinte maneira:
- Segunda-feira: planejamento da agenda, sessões e criação de material.
- Terças e quintas-feiras: sessões de neuropsicologia.
- Quarta-feira: reunião online para planejamento de sessões, coordenação escolar e familiar.
- Sexta-feira: reunião online de acompanhamento de casos, e oficinas lúdicas como trabalhos manuais, leitura, pintura ou cinema.
4. Vocês contam com um programa de voluntariado. Que tipo de pessoas podem se juntar ao PsicoNED e como podem contribuir?
Estamos abertas a perfis diversos, embora atualmente estejamos buscando especialmente pessoas da área de psicologia, neuropsicologia, deficiência ou educação. Terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogas e professoras também são muito bem-vindas.
É possível colaborar de muitas formas:
- Intervindo diretamente com as crianças e as famílias durante as missões de cooperação.
- Oferecendo formação (presencial ou online) a profissionais locais.
- Participando de discussões de casos ou assessorando intervenções.
Mas não é necessário ser especialista em algo ou viajar até Zanzibar para contribuir. Se alguém entende de redes sociais, pode nos ajudar com conteúdo. Se tem experiência organizando eventos, pode colaborar em ações solidárias. Existem mil formas de somar.
Inscreva-se
na nossa
Newsletter
5. Um dos pilares da Fundação NED é seu modelo de trabalho baseado em ‘Equipar, Tratar e Educar’. Por que você acha que essa metodologia é fundamental em regiões de baixa renda?
Esse modelo de trabalho em cooperação é especialmente fundamental em regiões de baixa renda para garantir um impacto sustentável a longo prazo.
Depois de muitos anos trabalhando com esse modelo como bússola, comprovamos que ele funciona. Quando você garante os recursos materiais necessários para o trabalho, forma as pessoas locais e “utiliza” os conhecimentos e experiências de especialistas para atender diretamente certos casos, supervisionar e orientar o trabalho local, pouco a pouco elas vão dependendo menos da ajuda externa para alcançar os objetivos. Vão ganhando autonomia, conhecimento, experiência, e aos poucos podem assumir seus próprios projetos. Até chegar ao objetivo final: não sermos mais necessários.
Isso, claro, é um trabalho progressivo e exige anos de trabalho conjunto, de financiamento, de supervisão, de formação constante… Até poder alcançá-lo.
No caso do PsicoNED, estamos fazendo assim:
- Equipar significou fornecer tablets, materiais de intervenção, acesso a plataformas online como a NeuronUP, e criar um espaço adaptado na House of Hope.
- Educar é algo que vivemos todos os dias, por meio das formações que organizamos para a equipe local, da supervisão constante, das reuniões semanais com especialistas da Espanha e do acompanhamento a estudantes locais que também estão em formação.
- Tratar fazemos tanto nas missões presenciais quanto no acompanhamento contínuo daqui, apoiando diretamente os casos mais complexos ou sensíveis.
6. Se você tivesse que resumir o último ano da PsicoNED em três palavras, quais seriam e por quê?
Constância, reflexão, expansão.
Constância porque trabalhamos sem parar e formamos uma equipe realmente comprometida. Reflexão, porque cada passo que damos exige avaliar cuidadosamente a ideia e considerar suas possibilidades, além de uma revisão constante do processo. E expansão, porque ampliamos os serviços que oferecemos, o número de famílias beneficiadas por eles e nossa colaboração com mais entidades locais.
7. Vocês trabalham com crianças e famílias em situação de vulnerabilidade. Qual impacto direto vocês estão observando nelas? Existe alguma história que represente bem essa mudança?
O impacto que estamos observando nas crianças e suas famílias é real e muito emocionante.
Nas crianças, percebemos como estão ganhando confiança em si mesmas para enfrentar algumas tarefas que trabalhamos nas sessões. Algumas melhoraram muito em tarefas de atenção, por exemplo, algo que pode parecer pequeno, mas que tem um impacto enorme no dia a dia delas.
E nas mães, a mudança também é muito evidente. Muitas delas, que no início estavam fechadas, com medo ou carregando sozinhas o peso da situação, agora se permitem compartilhar o que sentem, se expressam com mais liberdade, se apoiam entre si e estão formando uma rede muito bonita.
Se eu tiver que escolher uma história que represente essa mudança, penso na Amina. Ela tem 19 anos e só frequentou a escola por alguns anos quando era pequena, devido a problemas familiares e à total falta de apoio do sistema educacional. Amina tem hidrocefalia, uma deficiência intelectual associada e suspeita de TEA. Um ano atrás, ela se escondia se alguém falasse com ela, não queria participar de nada, não mexia em nenhum aparelho tecnológico e seu dia a dia se limitava a fazer algumas tarefas domésticas.
Agora, Amina faz parte do grupo de jovens, se expressa com muito mais segurança, trabalha conosco com exercícios da NeuronUP, está aprendendo a escrever algumas palavras e a reconhecer letras. Sai feliz das sessões, ri, participa, ganhou muita confiança. Encontrou um lugar onde se sente respeitada, compreendida e integrada. Ver sua evolução é impressionante, e é justamente por histórias como a dela que seguimos aqui.
8. A colaboração é fundamental nesse tipo de projeto. Como a PsicoNED envolve a comunidade local em sua própria transformação?
Na verdade, a PsicoNED não apenas envolve a comunidade local, como é formada por ela. Cada ação é pensada e executada em conjunto com profissionais locais. O trabalho direto é feito por elas, e quando há missões, fazemos juntas.
Desde o início, sabíamos que queríamos formar uma equipe mista com profissionais locais. Elas conhecem a realidade em primeira mão e, a longo prazo, são quem deve liderar o desenvolvimento de seus próprios programas. Nos reunimos semanalmente, elas executam as intervenções e supervisionamos juntas. Elas são o rosto visível do projeto.
Por exemplo, Hamissa será tutora de estágio de duas estudantes de Psicologia da Espanha e mentora de uma professora local. As decisões não são tomadas na Espanha: são propostas, discutidas e avaliadas em equipe. É assim que a Fundação entende a cooperação, e sinceramente, nem eu nem ninguém da equipe entende outra forma de trabalhar.
9. A tecnologia desempenha um papel fundamental no trabalho da PsicoNED. Como ferramentas como a NeuronUP ajudaram no atendimento aos pacientes?
A NeuronUP facilitou enormemente o trabalho. É uma ferramenta intuitiva, com atividades classificadas por função cognitiva e nível de dificuldade. Isso é essencial, já que muitas pessoas não têm formação específica em neuropsicologia ou estimulação cognitiva. A plataforma também permite registrar atividades e resultados, o que facilita a coordenação e o acompanhamento entre profissionais. E o melhor é que as crianças gostam muito. Para muitas delas, é a primeira experiência com um tablet, o que adiciona um componente motivacional muito forte.
10. Um dos desafios constantes em projetos sociais é o financiamento. Como a PsicoNED se mantém e de que maneira pessoas ou entidades podem apoiar seu crescimento?
A PsicoNED se mantém graças à Fundação NED, que por sua vez se sustenta por meio de doações de pessoas físicas, contribuições de associados ou parcerias com entidades públicas ou privadas. Além disso, a Fundação conta com o selo da Fundación Lealtad, que certifica sua transparência e o uso responsável dos recursos. Na Espanha, estima-se que existam entre 27.000 e 30.000 organizações não governamentais (ONGs). Destas, apenas 293 obtiveram o Selo ONG Acreditada concedido pela Fundación Lealtad, entre elas, a Fundación NED.
Aproveito para insistir em algo que considero fundamental: qualquer ajuda, por menor que pareça, é importante e necessária. 5 euros podem fazer a diferença para muitas famílias. Pode ser a possibilidade de pagar o transporte público para levar seus filhos a sessões de neuropsicologia e fisioterapia, que são fundamentais no processo de reabilitação. Com 5 euros, algumas famílias podem comprar fraldas para toda a semana.
Com isso quero dizer que não é preciso fazer uma grande doação para que faça sentido. De verdade, qualquer contribuição conta. E o fato é que, para poder cobrir muitas dessas necessidades básicas, para continuar avançando, precisamos de financiamento. Sem ele, não podemos garantir a sustentabilidade dos projetos a longo prazo.
11. Olhando para o futuro, quais são os sonhos e metas da PsicoNED para o ano de 2025?
Nossos objetivos para 2025 são:
- Manter ou até aumentar a equipe atual.
- Ampliar as sessões de neuropsicologia.
- Iniciar apoio psicológico individualizado para as mães dentro de um marco terapêutico.
- Começar a desenvolver serviços em Pemba em colaboração com associações locais.
- Conseguir atender a algumas necessidades básicas urgentes das famílias mais vulneráveis.
Solicitação de informação
Saiba como aproveitar ao máximo nossa plataforma e entenda por que mais de 4.500 profissionais em todo o mundo já a utilizam.
12. Por fim, o que te impulsiona todos os dias a continuar com a PsicoNED?
Sem dúvida, saber que graças ao projeto algumas crianças conseguirão ser escolarizadas, e outras que já estão na escola poderão fazê-lo com o apoio e o acompanhamento que precisam. Pensar que as escolas estarão mais preparadas e sensibilizadas frente à hidrocefalia, espinha bífida e outras causas de deficiência. Que haverá psicólogos e psicólogas mais bem formados nessas áreas.
Também me motiva saber que estamos ajudando as pessoas a entenderem a hidrocefalia e a espinha bífida e que, quem sabe, pouco a pouco, isso se traduza em menos abandonos familiares, especialmente por parte de homens que se afastam após o nascimento de um filho com deficiência.
A PsicoNED é apenas uma peça de um mecanismo maior: a House of Hope, a Fundação NED e as associações locais. E tudo faz mais sentido quando conectamos as peças.
Por exemplo, por meio das visitas domiciliares identificamos situações de vulnerabilidade extrema e ativamos todos os recursos possíveis: organizamos a mudança da família para a casa, facilitamos o acesso à atenção médica, apoio psicológico e nos coordenamos com outros recursos e serviços locais.
O que quero dizer com isso é que a PsicoNED vai muito além de oferecer sessões de neuropsicologia em um consultório. É uma rede sólida de apoio, que trabalha em coordenação com outras entidades e que, graças a essa conexão, muitas vezes consegue prevenir situações trágicas e melhorar a qualidade de vida de muitas famílias. Então, como você vê, tenho razões de sobra para seguir em frente todos os dias.
Deixe um comentário